quinta-feira, setembro 04, 2008

Consertos e Reparos

“Preciso consertar essa gaveta”, resmunguei pra mim mesma enquanto organizava a mochila e dobrava as roupas para a repetição maçante do dia de amanhã. Não lembro desde quando essa gaveta está desse jeito. O puxador vem na mão da gente quando tentamos abrir. Ciente deste incômodo, coloquei na gaveta utensílios raramente usados: canetas sem tampa (mas muito úteis quando, ao telefone, recados precisam ser anotados com urgência), cola, durex, grampos, este tipo de coisa. Encaixei o puxador no lugar, sentei na beira da cama e dei uma olhada ao redor do quarto. Minha estante de livros provisória está para desmoronar de tantos livros. “Preciso de uma estante maior”. O criado-mudo ao lado da cama se parece mais com um estagiário escondido atrás de pilhas de livros e revistas. Sim, preciso mesmo de uma estante. Um pé da minha cama está sem um parafuso e vez ou outra eu tenho que dar uns chutes para o estrado não cair. “E essa pintura adolescente na parede?”, o pensamento me fez sorrir. “Nunca deixe de sonhar!!!”, é o que está escrito em letras de formato engraçado na parede. Eu ainda gosto do lilás, mas não esponjado desse jeito. Quero lilás em tudo, condensado. Gosto das ondas e das flores que a decoradora amadora fez há uns anos atrás. Queria pendurar em molduras escuras as fotos dos meus atores clássicos favoritos - todos mortos, claro. Também tem estas pinturas tão bonitas de Modigliani e Renoir. Tanta coisa a ser feita...
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Aí eu viro para a Bruna e falo, sem gozação: “Tô com uma preguiça de viver ultimamente”. Ela arregala os olhos, incrédula – infelizmente, a convivência a tornou apta a reconhecer a ironia no meu tom de voz, e neste caso, a ausência dela -, e diz: “Pára de falar bobagem! Você é jovem demais pra ficar dizendo essas coisas!”. Uh, ela se irritou. Ela sempre se irrita quando me vê miserável, mesmo com toda a paciência que sempre tem comigo. Eu dou uma risada convincente, e mudo de assunto. Ela não pode entender. Talvez eu não esteja me expressando corretamente. Deixo ela e as outras mulheres na mesa tagarelarem sem mais interrupções. Às vezes, elas até me distraem. Embora a maioria saiba que eu não estou ali. Algumas vezes a minha distância as incomoda e elas me sacodem, fazem piada, arrancam algumas risadas involuntárias. E então eu volto pra elas, porque uma coisa é me sentir miserável, outra bem diferente é fazer com que os outros se sintam do mesmo modo. Eu me importo com elas, não quero que elas se preocupem comigo. Eu nem mesmo sei do que reclamo tanto, e isso que me cansa e me aborrece cada dia mais.
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Que mal eu fiz aos deuses todos?
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Fernanda e Bruna criaram uma solução: preciso de um namorado. Eu geralmente falo algo irônico/erótico que as fazem rir freneticamente quando elas mencionam tal solução descabida. Se o meu problema fosse carência, os dias seriam todos azuis. Mal elas desconfiam que isto é apenas uma estratégia infalível para mudar o rumo da conversa, e principalmente, o tema: eu. Namorar é legal, tem suas vantagens; mas não é pra mim. Eu gosto de ficar sozinha, sou egoísta. Ah, nem vou começar a enumerar os motivos para não ter um namorado.
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Nada de holofotes, por favor. Poupem o tapete vermelho para os que não tropeçam com freqüência.
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Veja só, comecei escrevendo sobre a decoração do meu quarto/batcaverna e terminei falando sobre a consultora de moda e a nutricionista – futuras, pelo menos – que me arrastam, sem reclamações, pelos dias entediantes. Será que algum dia eu vou escrever algo que realmente faça algum sentido? Algo construtivo?
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Não responda.
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Sobre a decoração, esqueça o que foi dito. A gaveta vai continuar quebrada por algumas décadas e a estante ainda agüenta o peso das palavras até o fim do ano. O quarto, bom, ainda é lilás. Vou ignorar a frase escrita na parede como faço com todo o resto, apagar a luz e dormir, desejando sonhar em acordar ontem, ou na semana passada, ou no dia em que os dias eram ansiados.
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Um comentário:

Unknown disse...

O tema "você" foi abordado pouco. Talvez você precise de um namorado, um egoísta como você. Haha!
Enfim, orgulhe-se de ter uma estante que está para cair pelo peso dos livros e não pelo peso do tempo.