segunda-feira, março 31, 2008

À Espera

Ultimamente, tenho levado horas para dormir e já não sei o que é correto ou se sou capaz de inibir esse amor. Passo a noite a velar esse sentimento indubitável. Não creio precisar de comprimidos, amor não é doença. Você, amor, é um bem imensurável mesmo quando mal me faz. Me cega e descompassa, e, ainda assim, me torna ilimitada.
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A verdade é: me acostumei com você, com seu jeito de ser. Me entorpece com essa independência heródica de mim. Minto se disser que não prefiro assim. Quero-lhe tão bem, urgentemente. Porém indago se desejo-lhe apenas pelo prazer de variar e tornar meus dias corriqueiros e descoloridos um pouco melhores - ou muito melhores. Sou egoísta. Sempre tratei de amor como algo palpável, perecível, um entretenimento qualquer. Coisa de fera ferida? Talvez. O que é o amor senão aquele que fere e jamais cicatriza permanentemente?
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Mas o que há de errado em ser egoísta? Talvez eu lhe ame porque você não precisa de mim. Talvez eu precise mesmo de você, para me fazer querer ser uma pessoa melhor. Talvez milhões de coisas; talvez nenhuma dessas.
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À espera de algo que não sei ao certo o que é, eu permaneço. Madrugada adentro, me perdendo nos lençóis listrados. Com a mesma xícara de café de todas as longas esperas, na janela de todos os outonos, a contar folhas caídas. Mesmo os corações inóspitos necessitam de ritmo e rima - o faça com maestria, meu bem. Deixe os arrependimentos para depois, e vem.

domingo, março 16, 2008

O Salto, por Antonio Prata

A gente não tem como saber se vai dar certo. Talvez, lá adiante, haja uma mesa num restaurante, onde você mexerá o suco com o canudo, enquanto eu quebro uns palitos sobre o prato – pequenas atividades às quais nos dedicaremos com inútil afinco, adiando o momento de dizer o que deve ser dito. Talvez, lá adiante: mas entre o silêncio que pode estar nos esperando então e o presente – você acabou de sair da minha casa, seu cheiro ainda surge vez ou outra pelo quarto –, quem sabe não seremos felizes? Entre a concretude do beijo de cinco minutos atrás e a premonição do canudo girando no copo pode caber uma vida inteira. Ou duas. Passos improvisados de tango e risadas, no corredor do meu apartamento. Uma festa cheia de amigos queridos, celebrando alguma coisa que não saberemos direito o que é, mas que deve ser celebrada. Abraços, borrachudos, a primeira visão de seu necessaire (para que tanto creme, meu Deus?!), respirações ofegantes, camarões, cafunés, banhos de mar – você me agarrando com as pernas e tapando o nariz, enquanto subimos e descemos com as ondas – mãos dadas no cinema, uma poltrona verde e gorda comprada num antiquário, um tatu bola na grama de um sítio, algumas cidades domesticadas sob nossos pés, postais pregados com tachinhas no mural da cozinha e garrafas vazias num canto da área de serviço. Então, numa manhã, enquanto leio o jornal, te verei escovando os dentes e andando pela casa, dessa maneira aplicada e displicente que você tem de escovar os dentes e andar ao mesmo tempo e saberei, com a grandiosa certeza que surge das pequenas descobertas, que sou feliz. Talvez, céus nublados e pancadas esparsas nos esperem mais adiante. Silêncios onde deveria haver palavras, palavras onde poderia haver carinho, batidas de frente, gritos até. Depois faremos as pazes. Ou não? Tudo que sabemos agora é que eu te quero, você me quer e temos todo o tempo e o espaço diante de nossos narizes para fazer disso o melhor que pudermos. Se tivermos cuidado e sorte – sobretudo, talvez, sorte – quem sabe, dê certo? Não é fácil. Tampouco impossível. E se existe essa centelha quase palpável, essa esperança intensa que chamamos de amor, então não há nada mais sensato a fazer do que soltarmos as mãos dos trapézios, perdermos a frágil segurança de nossas solidões e nos enlaçarmos em pleno ar. Talvez nos esborrachemos. Talvez saiamos voando. Não temos como saber se vai dar certo – o verdadeiro encontro só se dá ao tirarmos os pés do chão –, mas a vida não tem nenhum sentido se não for para dar o salto.

sexta-feira, março 14, 2008

Almost

Foram incontáveis quase-romances, quase-poemas, quase-canções... Até hoje. A minha perturbação emerge desses tantos "por poucos". Dessa ausência de "porquês". Desencontros, desencontros.
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E o que seria de mim sem o Chico, a Elis e o Tom? E o que seriam dessas sextas-feiras descoloridas sem o entardecer nostálgico? O que seria da minha estafa sem a mesa bamba para apoiar os cotovelos? Quem arrancaria meus sorrisos plenos se não fosse o dono do par de tênis sujos brincando com meus pés debaixo da mesa?
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Não haveria plenitude nem pluralidade nos meus dias corriqueiros se não fossem as piadas velhas, os encontros casuais e todos aqueles planos banais. "Dessa vez, me leva contigo". Ainda que me incomodem os murmúrios e as respostas nebulosas, aprecio a instabilidade. Invejo quem a tem, quem é dela serviçal. Sou herdeira da monotonia, do verbalizado, do fadigoso.
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Contudo, comigo não há meio-termo. Escrevo nas entrelinhas e envio mensagens - extraviadas. Fabrico ilusões e fantasias para todos os gostos e bolsos. Parcelo-me, também. Tenha-me inteiramente de uma só vez, pague aos poucos. Não anime-se: gosto de reciprocidade. A condição é uma só: não aceito devoluções.
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Oito ou oitenta, amigo.