Cedo acordou e no jeans 38 entrou. Atravessou o corredor e percebeu que a casa precisava de cor. "Comprarei as flores eu mesma", pensou. Bateu a porta como se não fosse voltar - e até então, realmente não voltaria. Desceu os degrais apressadamente e ouviu algo cair no chão. Mas nada a faria voltar atrás. Nada.
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Enquanto esperava o ônibus e estalava dedos, costas e nuca, abriu a mão direita - o lembrete era claro, "Respire". Tomou o ônibus e sentou ao lado da janela. A beira da estrada era a única testemunha do seu desaparecimento. "Silenciosa estrada, eu espero", sorriu.
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Três horas e meia de viagem e ela só queria dormir. Nada mais. Mas quando se tem insônia você nunca realmente adormece. E você nunca realmente acorda. Buscou uma distração qualquer através da janela empoeirada. Nada, era só o asfalto de uma estrada que ela jamais havia visto, e ridiculamente como todas as outras.
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Pensou nos valiosos objetos que deixou para trás. Nas suas coleções, suas páginas e mais páginas de folhas espalhadas pelas gavetas. Podia ver todos aqueles metros quadrados vazios e em tantas ocasiões entulhados de pessoas luxentas, que só estavam lá para falar dos segredos dos outros, e desses outros aterrorizados pela possibilidade dos seus pecados explícitos. Ah, Sophie, sempre dando festas para encobrir o silêncio. Fechou os olhos e podia tocar aquelas paredes desgastadas e descoloridas... "As flores!".
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Levantou ofegante e acionou a campainha. Desceu no ponto seguinte de "lugar-nenhum". Imagine um deserto acutilado por uma estrada e cercado de ventos arenosos onde você é o que os atrai. Imagine e estará lá, também. Sophie sentou-se em um banco pouco convidativo, levou as mãos a cabeça e admitiu: "Estou perdida". Em seguida soltou uma risada que pareceu ecoar por todo aquele deserto.
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Foi então que ele apareceu: "Tá fugindo de quem?". Era um homem alto, jovem, apático e só tirava as mãos dos bolsos da jaqueta de couro para acender o próximo cigarro. Havia algo extremamente atraente nele, Sophie percebeu desde a primeira vez que lhe pôs os olhos.
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"O quê?", ela respondeu. "É, fugindo de quem?", ele insistiu enquanto acendia um cigarro. "O que o faz pensar que eu estaria fugindo de alguém?", ela replicou usando seu tom mais culto. "Tem um excesso de desespero na sua risada", ele esticou o pescoço e fitou-a enquanto aproximava-se. Ela, gaguejou umas sílabas e não chegou a dar uma resposta. Mas ficou pensando no ato de fugir, no desespero que sentia e principalmente: "Do quê eu fugi?". Ele a ouviu murmurar, ofereceu um cigarro, e: "Precisa de ajuda?". Ela esticou a mão e levou o cigarro a boca, ele acendeu. "Eu não tinha porquê fugir, não comprei as flores, não sei onde estou e nem como voltar, e aceitei um cigarro de um estranho" e ele "Pra ser sincero, acho que eu sou a sua menor preocupação".
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Os dois riram e conversaram por horas no deserto sem pêndulos. Até que um ônibus surgiu no horizonte. Seria aquele ou nada mais importaria além do momento, de estar ali com aquele estranho e da felicidade barata que sentia. "É isso, é o adeus" e ela "Acha que vamos nos ver de novo, algum dia?" e ele "Você sabe onde me encontrar, linda Sophie".
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Não, ela não sabia. Mas entendeu que, por destino ou acaso, ele estaria lá todas e quantas vezes ela precisasse. Sem promessas, sem endereços, sem testemunhas. No final, tudo o que resta é o que sabemos que vivemos e o que nos faz ser quem somos, mesmo que desconhecidos ou estranhos, ou perdidos.
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Sophie subiu no ônibus e acenou para ele. Ele acenou de volta, e da mesma maneira que surgiu, desapareceu. Chegando em sua pequena cidade ela comprou as flores. As pessoas, as ruas, as calçadas, tudo do mesmo jeito que ela havia deixado. Vez em quando, ela se perdia quase que propositalmente, pois sabia... Ele estaria lá.