Acordou tarde no meio do silêncio que cobria toda a casa. Caminhou pelo corredor, fez um chá e se abandonou no sofá. Televisão desligada, janelas fechadas e um frio insuportável. Meias até os joelhos, metade do cabelo preso, não agia como se fosse bonita, nem que realmente estivesse, porque o espelho só refletia tristeza. Uma falta enorme, um vazio, uma solidão. Só aí percebeu o quão sozinha tem se tornado. Dia após dia, o único som na casa das paredes surdas, tem sido o som do despertador, pontualmente às 6h30 da manhã. Levanta exausta, não dorme mais como antes, simplesmente não dorme mais.
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O emprego é bom, o salário é digno e as aulas são suficientemente explicativas. De onde vem a falta? Falta do quê? Desistiu de responder e culpar-se, ou mesmo culpá-lo. Tomou um banho, deixou o vidro embaçar, decidiu não chorar e finalmente deixou o amor que já estava por se acabar. Ele se foi. Aceitar a ruína de si e de tudo que poderia ter sido foi o melhor que ela pôde fazer, para ambos os fracassos. Pessoas vêm e vão. Umas voltam, outras não. E, contudo, poucas permanecem.
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Que para nós nunca houve um amanhã após telefonema, após declaração. Que o amanhã nunca chega, dependa de nós ou não. Por hora, eu só gostaria que ele tivesse ficado um pouco mais, um pouco depois, um pouco tarde.
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Cansou de buscar um comum, um honesto, um verdadeiro. Daqueles, para chamar de meu. Queria ser encontrada, e sua impaciência lhe trouxe todas essas desilusões. E por onde recomeçamos quando nunca houve um fim seguido de ponto final e um doce adeus? Não o faremos. Parece simplório demais para sair da boca do caos que é ser ela. Mas aceitou, educadamente. Pela falta de opção, para sustentar a máscara, quem sabe? Mas aceitou os caminhos que a vida desenha; desses desenhos de criança, ingênuos, desalinhados.
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Entardeceu ao som dos pianos naquele dia. Felizmente, ela decidiu não deixar mais a vida passar diante de si. Que a vida é curta, e a felicidade menor ainda. Não é algo palpável, mas sim perecível. O caminho a percorrer, a busca, o que você faz para chegar até lá, é o que vale a pena. A felicidade é um único momento, frágil, efêmero. Uma música, um telefonema, um dobrar de esquina, e já passou, não está mais lá.
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Lembrará com a saudade de uma foto antiga, todas aquelas tardes.
Que ainda há vida por trás das cortinas. Ainda há tempo.