domingo, julho 29, 2007

Ainda Há Tempo

Acordou tarde no meio do silêncio que cobria toda a casa. Caminhou pelo corredor, fez um chá e se abandonou no sofá. Televisão desligada, janelas fechadas e um frio insuportável. Meias até os joelhos, metade do cabelo preso, não agia como se fosse bonita, nem que realmente estivesse, porque o espelho só refletia tristeza. Uma falta enorme, um vazio, uma solidão. Só aí percebeu o quão sozinha tem se tornado. Dia após dia, o único som na casa das paredes surdas, tem sido o som do despertador, pontualmente às 6h30 da manhã. Levanta exausta, não dorme mais como antes, simplesmente não dorme mais.
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O emprego é bom, o salário é digno e as aulas são suficientemente explicativas. De onde vem a falta? Falta do quê? Desistiu de responder e culpar-se, ou mesmo culpá-lo. Tomou um banho, deixou o vidro embaçar, decidiu não chorar e finalmente deixou o amor que já estava por se acabar. Ele se foi. Aceitar a ruína de si e de tudo que poderia ter sido foi o melhor que ela pôde fazer, para ambos os fracassos. Pessoas vêm e vão. Umas voltam, outras não. E, contudo, poucas permanecem.
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Que para nós nunca houve um amanhã após telefonema, após declaração. Que o amanhã nunca chega, dependa de nós ou não. Por hora, eu só gostaria que ele tivesse ficado um pouco mais, um pouco depois, um pouco tarde.
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Cansou de buscar um comum, um honesto, um verdadeiro. Daqueles, para chamar de meu. Queria ser encontrada, e sua impaciência lhe trouxe todas essas desilusões. E por onde recomeçamos quando nunca houve um fim seguido de ponto final e um doce adeus? Não o faremos. Parece simplório demais para sair da boca do caos que é ser ela. Mas aceitou, educadamente. Pela falta de opção, para sustentar a máscara, quem sabe? Mas aceitou os caminhos que a vida desenha; desses desenhos de criança, ingênuos, desalinhados.
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Entardeceu ao som dos pianos naquele dia. Felizmente, ela decidiu não deixar mais a vida passar diante de si. Que a vida é curta, e a felicidade menor ainda. Não é algo palpável, mas sim perecível. O caminho a percorrer, a busca, o que você faz para chegar até lá, é o que vale a pena. A felicidade é um único momento, frágil, efêmero. Uma música, um telefonema, um dobrar de esquina, e já passou, não está mais lá.
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Lembrará com a saudade de uma foto antiga, todas aquelas tardes.
Que ainda há vida por trás das cortinas. Ainda há tempo.

sábado, julho 21, 2007

Together

- Está pronta? Podemos ir?

Ela terminou de colocar os brincos e dirigiu-se à porta. Contou todos aqueles dezesseis degrais - e quão intermináveis pareciam. Ele a esperava no pé da escada, sorrindo, contente. A segunda moça que carrega para emergências surgiu, retribuiu os sorrisos e o contentamento.

Entraram no carro.

- Pode escolher a música - ele disse.

Ela queria ouvir o silêncio dos sapatos baixos novos, mas colocou a última música adicionada ao MP3, Something A Bit Vague, de Julie Delpy. Ela queria a calma, a quietude da estrada... Mas era uma emergência, aquela de não decepcionar o carinho e a vontade de cuidar daquele rapaz.

Chegaram, desceram do carro. Delicadamente ele aproximou sua mão da mão dela. Incerto de que deveriam chegar de mãos dadas ou não, não chegou a entrelaçar os dedos, como se esperasse uma resposta. Ela sentiu aquela mão fria e insegura, saiu daqueles mundos paralelos em que vive, e respondeu o que ele queria ouvir. Ouvia-se ao longe um violino e via-se luzes quase parisienses.

- Aqui estamos, juntos.



E naquele quase imperceptível momento, ela decidiu jamais deixá-lo só.

quinta-feira, julho 19, 2007

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For every heart that cries,

love left a window in the skies.
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sexta-feira, julho 13, 2007

Leaving Behind

Hoje me ocorreu que algumas vezes, aquilo que mais queremos entre todas as coisas é o tudo que nos falta para deixarmos de sermos nós. E errantes, desequilibrados ou, ainda, apenas nós... Largamos, desistimos, abandonamos. Abandonados pelo nosso próprio mistério, pelo nosso direito de amar.

O quê mais queremos... Nossa fraqueza, nosso poder, nosso suplício e, ainda que em doses homeopáticas, nosso deleite. Mas a pergunta paira no ar: Corajosos ou covardes? Apenas um pouco menos infelizes. Nem mesmo a realidade pode ser mais cruel do que a ilusão. Não vale a pena viver sonhando e se esquecer de viver.

É preciso ter coragem, então? Para deixarmos para trás quem mais amamos? É preciso ser altruísta o suficiente para jogar pela janela da vida em movimento a nossa felicidade? Sim, é a resposta.

Mas será preciso ser covarde? Ser egoísta para sermos, ainda que infelizes, conformados com a estabilidade de nossas vidas? Sem altos e baixos, sem provar o irresistível? Sim, é a resposta.

No mesmo hoje me pediram para explicar o porquê das roupas desbotadas, das meias trocadas e da palidez no rosto - dessas que só surgem quando nada encobre o silêncio. "Perdi o insubstituível", disse. Antes que o alguém não soubesse o que dizer em seguida, completei: "Perdi, não. O abandonei consciente da dor que me perseguiria e que, como vê, me faria decadente, descendente do amor que digo sentir", e subi as escadas sem esperar um comentário.

No fim, seremos o tempo desperdiçado em não-ações, não-amores... Seremos consequências. Acreditando, mesmo que secretamente, que aquilo que mais quisemos um dia aparecerá na nossa porta, ao lado do jornal, com um ramalhete de flores. E nesse momento, nessa ínfima possibilidade, conheceremos o gosto da felicidade combinado com todo o tempo perdido.