quinta-feira, agosto 28, 2008

O poder dos morangos

Era noite. Eu voltava do mercado em passos descompassados, tropeçando pelos paralelepípedos salientes da rua tortuosa. Entrei no carro e abri todas as janelas, desejando que o vento forte e gélido arrastasse aquela imagem da minha mente. Fechei os olhos, levando as pontas dos dedos às têmporas. “Por que o tormento sempre retorna?”, perguntei atônita para a minha incompreensão. Esta me ignorou enquanto o carro já estava freando na porta da garagem de casa. Peguei as sacolas no porta-malas e bati a porta com raiva, talvez um pouco rude demais. Subi as escadas batendo os pés. Senti o céu escurecendo dentro de mim, ouvi rugidos baixos vindo do meu peito. O som que as sacolas fizeram ao chocarem-se com o chão da cozinha camuflaram o trovão que explodiu dentro de mim. Sentei na banqueta da cozinha e me encolhi cruzando os braços. “Por que comigo? Por que não some?!”, resmunguei furiosa pra mim mesma. De tantos mercados de tantos bairros de tantas cidades, ele foi entrar logo no meu. Era o erro do passado ressurgindo, simpático, bem no meio do meu recomeço.
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Senti minha cabeça rodar e minhas narinas arderem, a chuva torrencial estava para desabar dos meus olhos. “Não!”, gritei por debaixo do fôlego. As nuvens negras dos meus olhos pressionaram, encharcadas, mas recuaram com o horror do meu tom. Ajoelhei no chão e comecei a desfazer as sacolas, ou destrinchá-las brutalmente! Guardei os frios na geladeira e a fechei, com ódio emergindo das minhas palmas. Pude ouvir os frascos lá dentro balançarem e se chocarem. A platéia que podia me ouvir lá da sala de estar invadiu o ringue e perguntou-me, preocupada: “Você está bem?”. Engoli seco, minha voz não a convenceria da minha sanidade, eu apenas assenti. Coloquei o abacaxi em cima do mármore para fatiá-lo, fatiar a lembrança daquele rosto latente em minha mente. A invasora arregalou os olhos quando me viu puxar uma faca da gaveta e fechar a mesma, de novo com força demais. Controle-se, mulher! eu suspirei pra mim mesma ao notar sua reação. Levantei minha mão livre, impedindo sua aproximação, e fechei os olhos para me recompor. “Me dê um minuto, está bem?”, minha voz saiu quebrada e eu percebi que a tempestade estava à espera. Abri os olhos para encarar a mulher boquiaberta, e tentei sorrir. Ela torceu os lábios, enrugou a testa, mas se afastou sem dizer nada. Eu não convenceria ninguém esta noite. Ninguém. Nem a mim mesma. A rendição alimentou as nuvens ansiosas nos meus olhos, senti minha respiração desregular e o sangue subir para as minhas bochechas. Larguei a faca no mármore frio e me encolhi ao deixar meu corpo cansado cair sobre a banqueta novamente.
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É melhor deixar chover... de uma vez por todas. As nuvens ácidas derreteram o chocolate vívido dos meus olhos, apertei os com força, levando as pontas dos dedos às têmporas mais uma vez. Era tarde demais. A ardência nas narinas e nos olhos que sempre eram seguidas de uma tempestade incessante de lágrimas traiçoeiras percorria todo o meu corpo, fazia meus ossos virarem esponja, fazia do leão rugindo em meu peito um gatinho acuado. Sua tola. As lembranças enterradas e adormecidas na minha alma despertaram, atravessando minha mente, velozes, astutas, golpeando-me por todos os ângulos. Gemi um choro silencioso, reconhecendo aquela dor antiga. E, de repente, imagens turvas de uma menina pintando os lábios para impressionar alguém; uma menina corando com elogios ocasionais que lhe eram feitos, recebendo com carinho e admiração mentiras sinceras, restos e sobras. Uma última imagem, mais nítida e recente do que as outras, passou por mim agora, demorando um pouco mais para escurecer, prolongando o misto de agonia e prazer – se despedindo. Um rosto quase esquecido, pouco à vontade, sorrindo, tímido: a cena final de um curta-metragem surreal. “Ainda uma vez, adeus”, eu murmurei.
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Duas lágrimas caíram: uma pelo que poderia ter sido; outra por o que não foi. Abri os olhos, piscando repetidas vezes, limpando a visão da realidade nua e simples da minha cozinha. Apoiei minha cabeça nos joelhos e deixei os fios longos e embaraçados do meu cabelo colidirem com o chão. Sorri. Sorri largamente agora. Joguei minha cabeça pra cima, retomando minha posição. Não foi um roteiro muito criativo, não é? pensei, divertida. Que curta-metragem desconexo nossa história tinha sido. Nossa não, minha. Ele não envelheceu nem um dia, queira Deus que ele fique bem. Alma lavada.
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Voltei-me para o meu lado de dentro, analisando os estragos que esta tempestade devia ter feito. Hum, nada mal. Sorri de novo, com humor. Apenas uma velha cicatriz dolorida na minha alma, daquelas primeiras feridas da imaturidade. Pobre menina remendada. Respirei fundo antes de voltar para o abacaxi em pedaços e para os morangos recém-lavados sobre o mármore. Ah, enfim. Sorri pra mim mesma uma última vez esta noite, aspirando o cheiro delicioso das frutas na minha pele, sentindo o gosto doce e cítrico na minha língua – o gosto que a vida tinha, e que sempre haveria de ter.
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Agora já não me importava quantas vezes mais o azedume do amor se faria presente no meu ser, no meu ego ferido. Na estrada dos que não se abandonam, sempre haveriam morangos.
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'cause without the bitter, baby
the sweet ain't as sweet.

4 comentários:

IP disse...

Não me faça chorar, ok?
HUISAHSAIUHSIh
s2

Francisco Castro disse...

Olá, gostei muito do seu blog e de sua abordagem.

Parabéns!

Um abraço

Ligia Abdo disse...

Olá, gostei muito do seu blog e de sua abordagem.[2]
My stephenie meyer project!

I love you
:*

Tuany disse...

Lendo seu fotolog e prestando muita atenção, percebí o quanto você gostava de Twilight: um dia acabei ganhando o livro, e não vejo como não imaginar você como a Bella, desde a primeira página, ligo seu rosto ao dela.

Eu também escrevo, talvez não tenha tantos assuntos e imaginação como você, porém escrevo muito bem por isso pretendo cursar jornalismo na Unicamp em 2010.

Te acho muito parecida comigo, talvez seja por isso que me acho em seus textos, e visito muito frequentemente seu blog!

Também tenho um, porém esse é pessoal, escrevo para mim, então é quase impossível se encontrar em meus textos, coisa que você faz tão bem !

Ah, antes que você imagine, te achei em amigos em comum!

Outro dia passo aqui denovo!
Beijos!