quarta-feira, maio 23, 2007

Nuances

Desde que me ouviu cantarolar Imbranato, em cada silêncio no espaço entre nós ele me pede para cantar "whatever, beauty" em italiano. Me pega nas curvas das peripécias que conto - porque com ele, eu falo compulsivamente - e num silêncio que eu não sei de onde vem; um cruzar de pernas, um jogar de cabelo ou um discreto bocejar. Ele leva uma das mãos ao queixo enquanto a outra segura firme a minha, e apoia o cotovelo na ponta da mesa. Às vezes, ele sorri despercebidamente e eu me pergunto se os meus olhos me entregam, e paro: "O que foi?" e ele "Nada, nada... Eu gosto de ouvir sua voz". E deveriam filmar esses momentos, pois eu posso jurar que nada disso existe, que são nuances de um sonho bom. E se assim for, eu lhe imploro, não me acorde.

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"E até quem me vê
lendo o jornal na fila do pão,
sabe que eu te encontrei"

sábado, maio 19, 2007

Don't give your love away

Chegou em casa como furacão e foi jogando os livros pelo corredor. Entrou no chuveiro na esperança de aliviar-se. Jogou os braços no vidro embaçado e em linha vertical, abandonou-se. Bateram a porta muda e nenhum ruído de lá saiu. Insistiram três ou quatro vezes, mas logo perceberam que só fariam esperar.
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Do lado de dentro os sentimentos eram intensos e confundiam-se. O gosto ácido de arrependimento na boca não a deixava levantar. A água, que antes escorria como perdão divino, não lavava sua alma, não mais. Sua mente corria em anos-luz, rejeitando o passado, buscando um destino. Criou milhares de desculpas para si mesma e, ao fim, percebendo que não haveriam argumentos convincentes, admitiu. Matara o amor naquela manhã de muitos casacos e poucos motivos.
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Uma, duas, três. Quantas vezes a mesma lamentável história vai se repetir? Ao trancar a porta é tudo desapego. Brindou a decadência e a ausência de esperança num grito interno.
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(A quebra do silêncio que só você escuta.
A quebra do silêncio que só, você escuta.)
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Desligou o chuveiro. Enrolou-se na toalha branca com seu nome bordado em letras grandes. Passou a mão pelo espelho que só refletia vultos e não reconheceu a mulher que havia se tornado. Não ouviu sua voz, mas leu seus lábios que diziam: "Então, isso é felicidade para você?"
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Destrancou a porta e atravessou o corredor como quem não conhece o caminho de onde se quer chegar. Sentado na cadeira, ela encontrou aquele rosto de expressões tão doces enterrado em suas mãos. Notando sua presença, ele levantou-se e não disse nada - e nem precisava - os olhos diziam todas as verdades. Nos olhares perdoaram-se e num abraço exagerado, encontraram-se como quem se perde e só pensa em voltar para casa, para o conforto. Sem longas frases, concordaram: "That reality, it's going to eat us alive."
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Sairam de casa naquele dia como se o desespero jamais tivesse estado lá.

sexta-feira, maio 11, 2007

Behind Blue Eyes

Os observadores olhos azuis da sala ao lado resolveram me atirar do penhasco, hoje. Por fim, confessaram em tom de segredo a minuciosa narrativa que me tem como tema. Oh, sad blue eyes. Escrevo trechos da carta que me fez morrer - de felicidade. E revelou o que era meu - meu mistério.
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"Ela sempre carrega um livro dentro da bolsa. Surge um diferente em torno de três dias e acredito que leve esse tempo para lê-los. Deixou de ser opcional, eu acho."

"Ela tem uma calma no olhar que eu não sei quão profundo me atinge, e paralisa. E mesmo nervosa, quando estrala os dedos e morde levemente o canto da boca, ela consegue ser doce."

"Hoje o sorriso dela estava tão triste. Quase passou despercebido, ela se esforça pra se segurar. Ligou e desligou o celular muitas vezes. Depois olhou pra mim e antes que eu me levantasse, sorriu um sorriso desiludido, de quem se cansa de esperar mas não desiste."

"Ela teve um amor, já deu pra sentir. O modo racional como ela fala de relacionamento não me convence. Tanto mistério por trás daquelas mãos amáveis."

"Qualquer adjetivo pode parecer meio bobo quando se está tão perto de conhecê-la verdadeiramente. Ela é o tipo de garota que a gente encontra por acaso, ali ou aqui, talvez numa torrente de azar e quando se dá conta já não consegue ficar longe. Eu não consigo."
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Quando terminei de ler as quatro folhas, extasiada, emocionada, meio morta e meio viva, disse: "Logo você, dono desses olhos suspeitos!"

Ele respondeu, sorrindo: "Agora eu sou culpado, confesso."



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My own world behind those blue eyes.