domingo, setembro 30, 2007

Do que passou, e calou

Chegou em casa por volta das sete horas da noite, sem sentir os pés. Ah, as pernas tão subestimadas a trouxeram para casa sã e salva, sem tropeçar nas pessoas ou pisar em poças d'água. Chegou com aquele cheiro de shopping, conhece? Aquele cheiro, aquele misto de fast food, café expresso com chantilly, ar condicionado e centenas de fragrâncias de perfumes, shampoos e desodorantes. E esse incômodo, nem o alívio de em casa chegar, nem o sofá acolhedor, nem o orgulho dos pés inchados é capaz de silenciar.
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Mas comecemos do início e vamos logo ao motivo da vida tê-la levado às multidões dos shoppings - o que não é um de seus maiores prazeres, para não dizer que é o menor. Precisava comemorar-se, eis a verdade. Não sentia tal necessidade, mas do mesmo modo como somos sociáveis quando não queremos ser, acabou por achar necessário. Comemorar-se. Mais um ano de altos e baixos, de picos, de beira de estrada, de escadaria de igreja. Mais um ano que faz dela a inconstância que esta boa moça é. "Está adiantada", um conhecido diria. Mas resolveu comemorar-se antecipadamente, com o objetivo de passar a data em branco sem parecer completamente infeliz consigo. Começar a segunda-feira como uma segunda-feria qualquer, de costas largas e ombros baixos. Começar o primeiro dia de sua vida, como um primeiro dia de mês; dia de pagar contas, de receber o salário e ver o mesmo sumir com a fila do banco.
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E foi. Sem o salto alto costumeiro, sem roupas sofisticadas. Jogou em si o velho jeans e o desbotado agasalho, e foi. Deveria ter chamado os poucos e bons amigos, os pais e a irmã que fosse, mas não; optou por cadeiras vazias e o Rilke que ganhou de presente. Cansou da falta de distração e de observar desconhecidos, assistiu um filme. Depois foi comprar seu presente, sem grandes expectativas. Seguindo o fluxo, às vezes na contra-mão pelo prazer de variar. Caminhando sutilmente, era um tanto de ambições, algumas lembranças e um dedo de tédio - um devaneio solto.
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"Talvez seja o sábado", justificou. Particularmente, ela odeia os sábados. É este o dia de pendurar no cabide todo o cansaço que a semana proporcionou, o dia do intervalo na correria, de perder-se propositalmente. Ah, a felicidade barata de um sábado. Quão cínica és tu.
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E, finalmente, mais um ano. Você, positivista, deve pensar "pobre mulher". Mas compreenda, ela aprendeu a duras penas que os anos ensinam coisas que os dias desconhecem. E, sem vontade de se encaixar no comum, no previsível, segue esta vida na contra-mão. Deseja comemorar-se, deseja essa atenção todos os dias do ano. Deus queira que nessa volta aos trilhos, tal dádiva seja concebida. E devidamente desfrutada.
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Voltemos ao final do começo. Do arrependimento de ter saído porta afora. Mas ao voltar, ao retornar pôde perceber que o que era merecidamente seu, por posse e direito, por ter compartilhado os melhores anos de sua vida, havia se libertado. Havia, sim, uma Gabriela no futuro do seu sempre amado e querido - e ainda assim, quase esquecido -, no seu forever and after, mas ao voltar-se para quem ela não soube cuidar, percebeu que esse nome mudara de endereço, e sobrenome. Encerrou este ano com uma dor profunda de perda perdida para sempre, belos lábios e poucas palavras.
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E o que virá, dirá.

domingo, setembro 23, 2007

Pormenores

Tanto homens quanto mulheres são mais felizes na guerra. Mesmo que seja uma guerra sem herói e sem causa, sem destino. É esta verdade que nos faz pelejar com a força de dez mil guerrilheiros por qualquer pequeno amor que seja. Consciente da morte ou da vida que possam ser encontradas ao fim de tal empreitada. Perguntam-me se a vida é maior que a morte, quando a única certeza é que o amor é maior que os dois.

Se quem chegou, partiu. Se quem virá, já foi. Só para quem fica os dias são todos iguais. E lágrimas fogem de ti; e lágrimas fogem de mim. E um rio se forma de nós. Se a vida é uma longa espera, então ensina-me a te esperar. Se a vida é breve primavera, deixe-me dela beber... E já.

Os enérgicos dias andam se entrepondo em nossas vidas, há muito tempo. O nosso ontem é tardio. O nosso hoje é muito pouco. E o nosso amanhã, ninguém sabe.

Eu quero te dizer que nada lamento. Se eu pudesse viveria tudo contigo outra vez - o nosso tudo sem pausa e sem nome - da maneira que foi. Porque da maneira que poderia ter sido, jamais saberemos.

domingo, setembro 16, 2007

Do you like me now?

Há uma filosofia nas poesias de todos os séculos, nas músicas, nos embriagados. Há em tudo que sente, uma filosofia, uma crença. Há uma crença, eu espero, na descrença dos céticos.
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Cínica, eu procuro ler e em mesmo tom escrever curtos parágrafos que instiguem à você, meu caro alguém. E nesses rabiscos avulsos eu procuro, plena de todo meu conhecimento em seu sentimento adormecido, abusar das figuras de lingüagem e da sinestesia. Que fique encoberto, não o faço para tornar explícita a minha verdade, como o bem de me supliciar que ela faz.
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Submersa na dor de um pseudônimo - que divide o meu reflexo em dois, enquanto eu escolho quem eu quero ser por hoje, e amanhã é depois. E se eu quisera este nome, tuberculoso e pungente, para que o faça refletir em suas lamentações matutinas, minha alma estará salva destes deuses capitalistas. Pois o farei, despretensiosa quanto ao resultado, ver que o seu fardo comparado ao meu é ridiculamente ínfimo. E nesse vereda de luz efêmera, você dará o valor subestimado à sua desprezível vida de alienado à uma era em que se come ouro no jantar.
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O meu propósito? É fazer você gostar de mim, certo de sua piedade e satisfação; quando eu, intencionalmente, não sou essa jovem escritora decadente coberta de limbo. Quando, na verdade, eu sou passos em sintonia com o resto do mundo, caminhando pela Oscar Freire. De Chanel e rímel.
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A minha crença, turva e vil, é na desconfiança desse mundo, e como você já deveria saber, na languidez da Verdade.

sexta-feira, setembro 07, 2007

Cafés Alados

Parou na esquina da correria, descompassada. No balcão da cafeteria, tirou da bolsa o livro mais novo e "Cinco Minutos, só cinco minutos". Apoiava-se sobre uma das pernas, pendendo de um lado para o outro, cotovelos na borda do mármore, estava exausta. Preferiu sentar-se e esquecer-se do inconveniente relógio sob a malha fria da blusa branca de mangas longas. Na mesma inerte mesa rústica de todos os fatídicos dias, uma cadeira vaga. Sentia-se triste; uma tristeza acolhedora, dessas dos dias nublados, guardada no armário com os casacos semi-novos.
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Observava absorta os faróis dos carros dobrando a esquina, enquanto o escurecer carregava uma garoa fina. Cheiro de chuva, de poeira assentada aos poucos, e o som dos pneus acelerados sobre o asfalto embriagado.
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Estava à espera. De um passado, de um futuro, não há como saber. Esperava ansiosamente um presente dos deuses de tudo que existe, uma reorganização do universo à seu favor. Mas não. Uma hora e cinco minutos desencontrada por si mesma. Sobre a mesa, uma xícara de café pela metade e um croissant rejeitado. Pegou o celular, levou-o até a orelha, mas só ouviu o doloroso som da linha desocupada há meses.
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"Longe daqui, tarde demais. Nunca talvez!", e levantou-se bruscamente. Dirigiu-se ao caixa, insatisfeita, incomodada. Algo faltava pesando no ombro esquerdo, seria um abraço, seria... "A bolsa!". Atravessou a cafeteria correndo, já imaginando o prejuízo, delegacia às 20h da noite, funcionários grosseiros...
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Chegando à mesa, o chão ameaçou ceder. Pernas trêmulas, ardência nos olhos e no nariz seguida de lágrimas silenciosas. Sobre a mesa a bolsa estava, intocada. Uma cadeira estava ocupada pelo presente, ausente em tempos de contemplativas vagas visões, mas agora, justo agora, ali. Olhares segredantes e o céu abre-se em sorrisos tortos.
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- De todas as pessoas no mundo, eu não esperava por você.
- É, cheguei três anos atrasado - ele sorri timidamente.
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Ela aproxima-se, avariada.
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- Senta, pequena, toma um café comigo.

terça-feira, setembro 04, 2007

Alma Inquieta


I

Noite ainda, quando ela me pedia
Entre dois beijos que me fosse embora,
Eu, com os olhos em lágrimas, dizia:

"Espera ao menos que desaponte a aurora!
Tua alcova é cheirosa como um ninho...
E olha que escuridão há lá por fora!

Como queres que eu vá, triste e sozinho,
Casando a treva e o frio de meu peito
Ao frio e à treva que há pelo caminho?!

Ouves? é o vento! é um temporal desfeito!
Não me arrojes à chuva e à tempestade!
Não me exiles do vale do teu leito!

Morrerei de aflição e de saudade...
Espera! até que o dia resplandeça,
Aquece-me com a tua mocidade!

Sobre o teu colo deixa-me a cabeça
Repousar, como há pouco repousava...
Espera um pouco! deixa que amanheça!"

- E ela abria-me os braços. E eu ficava.


II

E, já manhã, quando ela me pedia
Que de seu claro corpo me afastasse,
Eu, com os olhos em lágrimas, dizia:

"Não pode ser! não vês que o dia nasce?
A aurora, em fogo e sangue, as nuvens corta...
Que diria de ti quem me encontrasse?

Ah! nem me digas que isso pouco importa!...
Que pensariam vendo me apressado.
Tão cedo assim, saindo a tua porta.

Vendo me exausto, pálido, cansado,
E todo pelo aroma de teu beijo
Escandalosamente perfumado?

O amor, querida, não exclui o pejo...
Espera! até que o sol desapareça,
Beija-me a boca! mata-me o desejo!

Sobre o teu colo deixa-me a cabeça
Repousar, como há pouco repousava!
Espera um pouco! deixa que anoiteça!

- E ela abria-me os braços. E eu ficava.


Olavo Bilac. In: Poesias.


Um dia desses amanheceu.
Uma garoa fina, silenciosa,
Ela partiu.

- Guardando abraços,
e o borrão de café na camisola.