Chegou em casa por volta das sete horas da noite, sem sentir os pés. Ah, as pernas tão subestimadas a trouxeram para casa sã e salva, sem tropeçar nas pessoas ou pisar em poças d'água. Chegou com aquele cheiro de shopping, conhece? Aquele cheiro, aquele misto de fast food, café expresso com chantilly, ar condicionado e centenas de fragrâncias de perfumes, shampoos e desodorantes. E esse incômodo, nem o alívio de em casa chegar, nem o sofá acolhedor, nem o orgulho dos pés inchados é capaz de silenciar.
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Mas comecemos do início e vamos logo ao motivo da vida tê-la levado às multidões dos shoppings - o que não é um de seus maiores prazeres, para não dizer que é o menor. Precisava comemorar-se, eis a verdade. Não sentia tal necessidade, mas do mesmo modo como somos sociáveis quando não queremos ser, acabou por achar necessário. Comemorar-se. Mais um ano de altos e baixos, de picos, de beira de estrada, de escadaria de igreja. Mais um ano que faz dela a inconstância que esta boa moça é. "Está adiantada", um conhecido diria. Mas resolveu comemorar-se antecipadamente, com o objetivo de passar a data em branco sem parecer completamente infeliz consigo. Começar a segunda-feira como uma segunda-feria qualquer, de costas largas e ombros baixos. Começar o primeiro dia de sua vida, como um primeiro dia de mês; dia de pagar contas, de receber o salário e ver o mesmo sumir com a fila do banco.
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E foi. Sem o salto alto costumeiro, sem roupas sofisticadas. Jogou em si o velho jeans e o desbotado agasalho, e foi. Deveria ter chamado os poucos e bons amigos, os pais e a irmã que fosse, mas não; optou por cadeiras vazias e o Rilke que ganhou de presente. Cansou da falta de distração e de observar desconhecidos, assistiu um filme. Depois foi comprar seu presente, sem grandes expectativas. Seguindo o fluxo, às vezes na contra-mão pelo prazer de variar. Caminhando sutilmente, era um tanto de ambições, algumas lembranças e um dedo de tédio - um devaneio solto.
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"Talvez seja o sábado", justificou. Particularmente, ela odeia os sábados. É este o dia de pendurar no cabide todo o cansaço que a semana proporcionou, o dia do intervalo na correria, de perder-se propositalmente. Ah, a felicidade barata de um sábado. Quão cínica és tu.
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E, finalmente, mais um ano. Você, positivista, deve pensar "pobre mulher". Mas compreenda, ela aprendeu a duras penas que os anos ensinam coisas que os dias desconhecem. E, sem vontade de se encaixar no comum, no previsível, segue esta vida na contra-mão. Deseja comemorar-se, deseja essa atenção todos os dias do ano. Deus queira que nessa volta aos trilhos, tal dádiva seja concebida. E devidamente desfrutada.
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Voltemos ao final do começo. Do arrependimento de ter saído porta afora. Mas ao voltar, ao retornar pôde perceber que o que era merecidamente seu, por posse e direito, por ter compartilhado os melhores anos de sua vida, havia se libertado. Havia, sim, uma Gabriela no futuro do seu sempre amado e querido - e ainda assim, quase esquecido -, no seu forever and after, mas ao voltar-se para quem ela não soube cuidar, percebeu que esse nome mudara de endereço, e sobrenome. Encerrou este ano com uma dor profunda de perda perdida para sempre, belos lábios e poucas palavras.
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E o que virá, dirá.