Chegou em casa como furacão e foi jogando os livros pelo corredor. Entrou no chuveiro na esperança de aliviar-se. Jogou os braços no vidro embaçado e em linha vertical, abandonou-se. Bateram a porta muda e nenhum ruído de lá saiu. Insistiram três ou quatro vezes, mas logo perceberam que só fariam esperar.
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Do lado de dentro os sentimentos eram intensos e confundiam-se. O gosto ácido de arrependimento na boca não a deixava levantar. A água, que antes escorria como perdão divino, não lavava sua alma, não mais. Sua mente corria em anos-luz, rejeitando o passado, buscando um destino. Criou milhares de desculpas para si mesma e, ao fim, percebendo que não haveriam argumentos convincentes, admitiu. Matara o amor naquela manhã de muitos casacos e poucos motivos.
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Uma, duas, três. Quantas vezes a mesma lamentável história vai se repetir? Ao trancar a porta é tudo desapego. Brindou a decadência e a ausência de esperança num grito interno.
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(A quebra do silêncio que só você escuta.
A quebra do silêncio que só, você escuta.)
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Desligou o chuveiro. Enrolou-se na toalha branca com seu nome bordado em letras grandes. Passou a mão pelo espelho que só refletia vultos e não reconheceu a mulher que havia se tornado. Não ouviu sua voz, mas leu seus lábios que diziam: "Então, isso é felicidade para você?"
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Destrancou a porta e atravessou o corredor como quem não conhece o caminho de onde se quer chegar. Sentado na cadeira, ela encontrou aquele rosto de expressões tão doces enterrado em suas mãos. Notando sua presença, ele levantou-se e não disse nada - e nem precisava - os olhos diziam todas as verdades. Nos olhares perdoaram-se e num abraço exagerado, encontraram-se como quem se perde e só pensa em voltar para casa, para o conforto. Sem longas frases, concordaram: "That reality, it's going to eat us alive."
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Sairam de casa naquele dia como se o desespero jamais tivesse estado lá.
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