domingo, junho 15, 2008

Dia dos Namorados

Depois de tentar se distrair assistindo a um filme no cinema, fazendo compras e suando na academia (onde só haviam casais estupendamente apaixonados, de todos os tipos: emos, homos, heteros, etc.), ela resolveu afogar suas mágoas - e o dia dos namorados, claro - em uma xícara de café expresso, na mesma mesa para dois, da mesma padaria, da mesma esquina de todas as sem-saídas. O mais irônico, pensou, é que não importa quantos relacionamentos aparentemente bem sucedidos ela tenha no decorrer do ano, não houve um só dia dos namorados em que ela pôde comemorar algo mais do que seu sucesso em não conseguir manter uma relação até o mês de junho.
.
O ambiente, como você pode imaginar, servia de abrigo a outros desafortunados solteiros. Uma meia-dúzia de mesas para dois ocupadas por apenas uma pobre alma. Se sentiu engraçada quando se deu conta disso. "Estou ficando experiente em dialogar com cadeiras vazias", voltando seu olhar para a xícara de café. "Deus queira que eu não seja a única" sorriu em voz alta e ergueu os olhos, ainda com um sorriso de auto-piedade esboçado em seu rosto corado pelo frio que fazia.
.
Exatamente às doze horas, bem à sua frente, estava um outro coffe addicted a exercer o mesmo árduo trabalho de adoçar o café girando a pequena colher de plástico em sua borda, o mesmo a que ela se dedicava naquele instante. Ele sorriu de volta, mesmo sem encontrar a graça da colher de plástico, e tinha tantos dentes na boca, lábios levemente avermelhados e tão lindamente desenhados, que ela continuou sorrindo sem notar. Ele era uma mistura de Strokes com Oasis, impossível de criticar. Caras tristes com guitarras, o tipo dela. A barba estava por fazer, o cabelo desarrumado - e poderia ser melhor? -, convenientemente sozinho... "Marry me, babe", ela pensou.
.
Então ele disse "Oi", com um aceno ligeiro e um sorriso longo. Ela respondeu "Oi", rindo nervosamente e desviando o olhar. "Meu nome é Guilherme" ele disse, cruzando os braços sobre a mesa. "O meu é Gabriela" ela respondeu, colocando mais açúcar no café. "Café amargo?" ele perguntou. "Dia dos Namorados", ela respondeu com um sorriso amarelo. "Eu ia perguntar se o seu namorado está atrasado, mas eu gostaria tanto que você não tivesse um", ele disse descruzando os braços e relaxando na cadeira, fitando-a com aqueles olhos pequenos mas tão vivos. Nesse instante ela fez-se defensiva e chegou a pensar em ir embora, mas lembrou-se de quem a esperava em casa: seu vira-lata Bruce. Ouviu uma voz interna dizendo "Pare de ter medo de viver, mulher".
.
"Então você deve estar com sorte hoje"- pasme, ela respondeu ao flerte. Ele sorriu novamente aquele sorriso de tantos, tantos dentes. "Eu posso...?" ele perguntou, incerto da resposta que viria, apontando para a cadeira vazia na mesa dela. "Por favor" ela respondeu desfazendo-se da insegurança. Ele levantou-se e atravessou o abismo que os separava. Ele vestia uma calça jeans, um moleton cinza e um all star surrado - maior abandonado.
.
Eles se olharam em silêncio por um instante, depois começaram com o básico: o que gosta de fazer, de ouvir, de ler, de assistir. "The O.C., não? Tenho a primeira temporada", ele disse. "Alguma cena favorita?", ela deu continuidade. "Primeiro capítulo da primeira temporada, eu acho, primeiro encontro de Ryan e Marissa". "Ah, sim! Uma das minhas favoritas também", ela comentou e, um segundo depois, decidiu brincar com a intertextualidade: "Se eu sou Marissa, quem é você?" ela perguntou fitando-o desconfiadamente. Ele leu seus pensamentos, como já havia feito tópicos antes e, levando a colher de plástico ao canto direito da boca, com os cabelos caindo nos olhos, ele respondeu: "Quem quiser que eu seja". Ambos gargalharam e sorveram as horas daquele encontro inesperado.
.
O irônico era que, a cada palavra dita e informação trocada, tudo que podia ser comprovado era o quanto eles eram parecidos. Em sorte e azar, em filme e música. E como eram singulares em seus respectivos mundos, agora colidindo sem querer, e querendo tanto. Ininterruptamente, sem poder evitar. Ambos atraídos pela emoção que encontravam um no outro e que, insaciavelmente, podiam dividir.
.
Somehow we've find
You and I have collide

2 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Se pudesse, gastava uma fortuna numa Starbucks sozinho...
Gasto o dobro bem acompanhado.
Boa sorte com o sad and coffee addicted guy who plays guitar. :)