domingo, junho 22, 2008

Como nossos pais

A instabilidade do relacionamento de meus pais, agora eu vejo, me influenciou a vida inteira, e ainda influencia. Digo "ainda" pois até o presente momento nenhum dos dois começou a fazer as malas. Mas nunca se sabe.
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Minha mãe, eu sei, amo incondicionalmente, e não me importo com o clichê da palavra. Me dói saber que ela sacrificara tanto de sua vida por mim e pela minha irmã. Porque veja, ela só fora verdadeiramente - ou suficientemente - feliz durante os primeiros dois anos de seu casamento. Ela casou-se ainda tão jovem, tão desamparada por sua própria família... E este fato acarreta em mim uma culpa ainda maior.
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Não sei o que houve após estes dois primeiros anos de casada. Penso que o fracasso desta união se mostrara já naquela época, mas ninguém admitiu. Depois disso minha mãe se submetera a uma vida de alienação, como dona-de-casa, como mãe, como esposa, como secretária de meu pai. Eles não se amavam. Nunca houve paixão. Creio que eles apenas aprenderam a conviver como companheiros de vida. Mas com a chegada da primeira filha - sim, eu - os dois se viram formando uma família, já não havia caminho de volta. Ou era como eles pensavam.
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Antes de prosseguir, é necessário falar sobre meu pai. Meu pai sempre será para mim o homem que aplicava os castigos, que me dava cintadas nas pernas quando eu o desobedecia, na infância. Os anos se passaram e eu atingi a maturidade, parando assim de desobedecê-lo, tentando desesperadamente deixá-lo orgulhoso sempre que possível. Não tivemos relações mais próximas desde então. Mas, por favor, não construa a imagem de um pai ausente: ele dormia em casa todas as noites. Como vê, por minha parte quase não tenho do que reclamar: ele sempre pagou as contas e nunca atrasou uma mensalidade do colégio particular em que estudei. O mesmo tem sido para minha irmã. Levamos uma vida confortável. Não há o que eu não peça ou deseje que ele não procure me dar. Talvez esta seja sua maneira de demonstrar seu amor de pai. Amor este que eu duvido existir algumas vezes.
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Meus pais completaram 22 anos de casamento na última sexta-feira sem maiores comemorações. Passado estes 22 anos, eles têm uma casa grande e confortável, dois carros na garagem, duas motos, dois cães e por último, porém não menos importante, duas filhas com a diferença de dez anos entre elas. Então me vem a mente as palavras: divisão de bens. Será tão fácil dividir uma vida inteira em duas partes iguais? Durante todos estes anos o casamento deles entrou em um círculo vicioso de tentativas mal-sucedidas para fazer da certo. Embora discutissem e decidissem pela separação, no dia seguinte voltavam atrás e permaneciam juntos até a próxima discussão. Eu me pergunto se não será esta apenas mais uma dessas idéias sem braços. E não sei a resposta. Tudo que sei, é que um arrastou o outro através dos anos, dos natais, feriados e páscoas, ambos submersos em sua particular infelicidade e insatisfação, a negar o fracasso presente em suas vidas. Permaneceram juntos mais pelas circunstâncias, pelas filhas e bens do que pelo sentimento.
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Não gosto de expor minha família e minha história dessa maneira, pois não tenho como defendê-los do julgamento que você, ao ler este texto, poderá fazer. Não é vergonha nenhuma para mim tê-los como pais, juntos ou separados. Não é vergonha admitir meus problemas e minhas fraquezas, mas a verdade é que não há o que eu não faça por eles. E se escrevo é para tentar esclarecer e organizar meus pensamentos. Contraditoriamente, sou mais forte diante dos problemas maiores do que dos cotidianos. E concluo, enfim, que não há o que eu possa fazer além de esperar que eles resolvam suas vidas da melhor maneira possível. Apesar de todos os pesares, eles são a minha família e o meu único vínculo com o passado. E desejo, otimista e ansiosamente, carregá-los em direção ao futuro. E que venham os advogados.

2 comentários:

Rita disse...

Lindo, nossa realidade.

Unknown disse...

Continue a despejar no texto o que você sente. Eu já tive o mesmo feeling do que você vive (ou talvez algo próximo).