Houveram pêndulas e uma doce melodia de Elis. Ela acordou há anos, acordou no leito de sua avó, talvez. Explodiam bombas e gritos sufocados de um país quase perdido. "Os canhões têm sua beleza", pensou. Desceu as escadas do sobrado esverdeado e sombrio. Caminhou pelas ruas sangrentas de 1982. Nunca respirou tanto Brasil antes. Todas as imagens corriam pelas calçadas, e ela ali, vivendo o passado que gostaria de ter vivido.
Os meses passaram como nuances, até que chegaram ao fim do silêncio. O dia é 15, o mês é Janeiro, o ano é 1985 e a esperança tem nome - Neves. O verão deve ter sido o culpado do foco de luz naqueles sorrisos e tantos abraços em desconhecidos, das lágrimas caindo pelas perdas e pelo ganho de mais um dia enfim, e o turbilhão de alegria.
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Gente jovem reunida...
Ela acordou com Elis espalhando-se por debaixo de sua pele. Estava em seu quarto, com seus livros, seus discos e sua confortável realidade. Mas nada poderia apagar o passado, aqueles rostos e o som dos canhões. Suspirou descontente, já sentindo saudade de tudo que ela nem se quer viveu, nem se quer acordou para sonhar.
Elis lhe faz companhia enquanto ela tenta, ao menos, revolucionar seu próprio guarda-roupa.
"Já faz tempoeu vi você na rua
Cabelo ao vento
Gente jovem reunida
Na parede da memória
essa lembrança é o quadro
que dói mais
Minha dor é perceber
que apesar de termos feito
tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos como nossos pais"
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